Alch'Antra - A Cidade Assombrada Pela Luz de F.R.Andrade - Capítulo II
Continuação da história de ...
Capítulo II
Ton’
estava adormecido quando acabara de receber uma mensagem em seu Incsog, o bipe
alto do aparelho o fez saltar de susto, deixando o garoto desnorteado até
perceber que ainda estava no vagão. Puxou do bolso seu dispositivo e ficou com
ar de dúvida após ler o recado.
—
Como assim? Não posso acreditar numa
coisa dessas — Interrogou Ton’ coçando a cabeça lisa e cinza, e com um breve
sorriso de canto de boca que se camuflava de bocejo.
A mensagem não tinha
remetente, não tinha localização de envio e muito menos o horário, foi isso que
o espantou, se levantou do seu acento, olhou em volta.
—
Ora ora, acho que alguém não vai trabalhar hoje, hein?! — Falou Ton’ abrindo os
braços no meio do vagão, porém ninguém lhe ouvia, olhou para todos os
meruvianos que estavam ali cochilando e com seus fones sensoriais.
Mas
um lampejo de consciência o fez verificar a mensagem mais uma vez e achou
realmente estranho não ter remetente, caso fosse o seu chefe, a mensagem iria
vir assinada com o famoso “Att, Cort’Os”.
Lembrou da onda de ataques que tinham acontecido a poucos dias contra a empresa
que fabrica os Incsogs; um grupo de adolescentes tinha invadido um banco de
dados onde tiveram o identificador pessoal de milhares de dispositivos por toda
Baldátena.
—
Será? Não... não pode ser, quem costumava estar invadindo os Incsogs era eu,
não posso ser a vítima — Falou baixinho como se alguém estivesse lhe torturando
com aquilo.
Naquele
dia 38c-90o (dia 38 do mês Centrivus, órbita 9990) Alch’Antra estava um pouco
nublada, com um leve cheiro de mistura de comida em que alguns meruvianos
vendiam na entrada do terminal de desembarque em que Ton’ iria descer. Esse
cheiro foi o suficiente para ele despertar do seu pequeno cochilo que em todas
as manhãs, lhe revigorava mais do que as suas 4horas de sono diárias;
meruvianos dormiam pouco e produziam muito durante o dia, passavam quase 22
horas no trabalho que eram dividias em 4 pausas durante a jornada. As empresas
de Alch’Antra se preocupavam demais com o estado físico de seus funcionário, e
quase como uma lei interna, todos os locais de trabalho deveriam ter no mínimo
um dormitório coletivo.
O
planeta Baldátena tinha uma rotação diária de 32horas, então não possuía
nenhuma reclamação quanto a carga horaria de trabalho, visto que eles recebiam
os créditos mais que proporcionais aos que trabalhavam todo esse tempo, e se
você trabalhasse em algum ramo ligado a ciência e tecnologia recebia o seu
famigerado passe F.G que lhe concedia inúmeras regalias todas bancadas pela
Vahlla, governo central do planeta.
Ton’
esticou todos seus membros e estralou seus 4 dedos de cada mão enquanto saía
sorridente para mais um dia de trabalho, não era o emprego dos sonhos dele,
porém lhe agradava muito pelo fato de estar diretamente ligado com a sua
faculdade. Saiu então do grande peixe que o trazia todos os dias para a LGNS, e
como era de costume, todas as manhãs ele parava em frente ao pequeno quiosque
da velha Nor’Lin.
—
Bom dia, gostaria de um gotch quente e um pedaço desse negócio verde que você
tem aí, não sei muito bem o que é mas na fome... — Disse Ton’ com uma cara de
nojo, olhando para o vidro que exibia as comidas.
—
São 45 créditos no total, pequeno Ton’Hill — Nor’Lin a senhora meruviana que
vendia os alimentos pela manhã, disse com uma voz rouca de que não tomava um
gole de agua há 200 anos.
—
Tudo isso? — Mesmo sabendo o preço, Ton’ sempre brincava — Tem troco para
fiado?
— Não, Ton’. — Disse Nor’
com um pequeno sorriso no canto da boca — Todo dia a mesma piada? Você não
cansa mesmo, hein?
Ton’
passou seu pulso na máquina de registro de créditos onde foram debitados
instantaneamente do seu saldo.
Meruvianos
não usavam dinheiro ou algum objeto em que servisse para comprar ou vender. Ao
nascer era implantado um pequeno chip de identificação no pulso esquerdo de
todos os meruvianos, isso servia para um melhor controle de natalidade e várias
outras utilidades mais cotidianas, desde identidade até a preferencias de
comidas em restaurantes; esses dados poderiam ser acessados e modificados caso
você tivesse uma senha pessoal, e o tipo sanguíneo daquele determinado
meruviano. Esse chip, era algo inviolável, intransferível, e caso fosse
retirado, era imediatamente avisado a Vahla.
Ao
sair do quiosque, via-se a grande via principal que dava acesso a área
industrial da cidade de Alch’Antra, uma grande extensão de prédios e fábricas
metálicas flutuantes, seus elevadores que partiam da entrada dos edifícios
comerciais até o setor de preferência. Para entrar nessa parte da cidade era
preciso se identificar nos guardas em hologramas que ficavam logo após a saída
dos quiosques, eram popularmente conhecidos como “Xarás” apesar de possuírem inteligente artificial, eles tinham
mais senso de humor do que metade da população daquela cidade. Ton’ sempre quis
que um dos dois fosse um meruviano de verdade, pois achava que seriam uma boa
companhia para uma noitada na cidade, que se resumia basicamente em paquerar
alguma meruviana e beber muitos Tarks (como se fosse a cerveja dos meruvianos).
Ton’ terminou de tomar o seu gotch, limpou a boca na manga da sua camisa,
soltou um pequeno arroto e caminhou em direção aos hologramas.
—
E aí, rapazes? Bom dia, tenho uma pergunta pra vocês. — Ton’ conhecia as pessoas
que tinham programado os Xarás e também sabia dos algoritmos que travava os
dois seres ali parados com cara de muitos amigos.
—
Me desculpe senhor, você ainda não passou seu pulso no identificador, não posso
ser tão íntimo a responder perguntas de um estranho. — Disse o holograma azul
com uma rosto meruviano sério.
—
Ohh! Verdade, me desculpe.
Ton’
passou o pulso no leitor que estava numa haste metálica.
—
Bom dia, senhor Ton’Hill, funcionário da empresa LGNS, me desculpe pelo pequeno
incomodo em lhe indagar sobre o pulso, mas são normas da cidade. Não é fácil
ser um holograma pai de 4 holograminhas — Disse xará azul com um semblante bem
mais promissor.
—
Lhe entendo, pobre Xá. Mas não pense que irei deixar de lhe fazer a pergunta
por pena da sua família, vamos me responda.
Ton’
com um olhar demoníaco olhava para os dois hologramas ali parados com caras de
dúvida.
—
Irei atualizar a versão de vocês para uma melhor caso consigam me responder,
qual a metade de 2 mais dois — Ton’ sem pena fez a pergunta, sabendo que o
algoritmo deles seria impossível de achar a resposta correta.
Os
dois hologramas deram uma leve piscada, emitiram sons aleatórios e logo
apagaram como se houvesse acontecido um curto no sinal de emissão dos dois.
Logo após o incidente uma pequena fila de meruvianos se formou na entrada do
setor comercial aguardando os Xarás voltarem a funcionar e assim liberando a
entrada de todos.
A
faculdade governamental de Alch’Antra é um conjunto de prédios divididos
simetricamente ao longo de seus 32 campus, com uma variedade enorme de cursos,
passando por Engenharia bélica, Desenvolvimento e infra-estruturação
informacional até Ciência aprofundada em AlphaVirginiti onde Laor’Ner lecionava
a mais de 10 órbitas. Naquela manhã o pai de Kal’Gana estava inquieto de uma
forma em que ela nunca tinha visto antes. A moça após hesitar algumas vezes,
respirou fundo antes de perguntar ao pai enquanto eles caminhavam no correndo
principal que dava para a sala de aula.
—
Pensava que o senhor já estaria acostumado com os primeiros dias.
—
Por que acha isso? Os primeiros dias são sempre os piores e os mais torturante,
hoje por exemplo já vou ter certeza dos alunos que irão concluir o curso e os
que não vão. A parte ruim de tudo isso é ter que ensinar os que provavelmente irão
desistir na próxima órbita, sinto que eles sugam algo de mim sem me dar nada em
troca. — Laor’ se sentiu aliviado depois de ter colocado isso pra fora, parecia
que um fantasma tinha sido exorcizado de seu corpo.
Mas
com um breve sorriso e um beijo na testa de Kal’ ele se entusiasmou.
—
Mas é isso que eu faço, não é?! Eu escolhi ensinar esses meruvianos durante
toda a minha vida, sempre irão ter momentos assim e conto com a sua ajuda hoje,
pois não vai ser nem um pouco fácil colocar um AlphaVirginit polarizado ao
semicondutor iônico na cabeça de alguns. — deixando escapar uma leve
gargalhada.
—
Essa é a parte fácil, a difícil é ter que lidar com seus alunos pedindo o ID do
meu Incsog a todo momento. — Disse Kal’ mostrando a língua e levantando os
olhos com sinal de tédio.
A
sala do curso de Ciência aprofundada em AlphaVirginit lembrava um anfiteatro
grego, onde Laor’ ficava em um semicírculo na altura do chão, e os acentos dos
alunos eram dispostos ao redor desse semicírculo, as fileiras avançavam na
vertical e para traz, sendo assim, cada aluno iria ver perfeitamente o que
estava escrito na tela de 6 metros de altura que flutuava ali; repetindo cada
rascunho, anotação e imagem que Laor’ passava em seu Incsog. Kal’ por sua vez,
ficava transitando entre as fileiras ajudando os calouros com dúvidas
pertinentes, mas sempre tinha um meruviano mais esperto querendo tirar proveito
dessa situação.
—
Monitora! Monitora. — Chamou um rapaz ao fundo que já estava com um sorriso no
rosto como se tivesse acabado de contar algo para seus amigos.
—
Pois não. — Respondeu Kal’ com uma seriedade impecável.
—
Não sei o que é mais difícil, entender o que esse velho fala aí na frente, ou
parar de olhar pra você. — Disse o jovem arqueando um de seus olhos e com um
riso cafajeste em sua boca.
—
Realmente é algo difícil de responder, mas vendo que você não consegue prestar
atenção na aula mais básica do curso, ou não tem capacidade para isso, eu
consigo prever quando você deixará de ser sustentado pelos seus pais. — O
semblante de Kal’ não mudou nem um pouco desde que o rapaz a tinha chamado.
Os
amigos do jovem meruviano não seguraram as gargalhadas que foram suficiente
para toda a classe notar algo de errado na aula, inclusive Laor’Ner.
—
Algum problema aí em cima Kal’? Os rapazes estão com dificuldade para entender?
—
Acredito que sim, ou ele não consegue compreender o assunto pelo simples fato
de você ser velho. — Kal’ deu de ombros. — Foram as palavras dele.
—
Quanto a idade realmente não vou poder lhe ajudar meu jovem, mas venha mais
para frente, tem acentos aqui, assim você poderá entender com mais facilidade.
Todos
viram o jovem meruviano descendo as escadas, com um sorriso sem jeito, tentando
descobrir para onde tinha ido parar sua dignidade.
Laor’Ner
após se apresentar para a classe e mostrar o trabalho que a sua filha iria
fazer naqueles dias, parecia cada vez mais excitado com a aula, pois aquele
curso fora organizado todo sobre a supervisão dele, era a pessoa ideal para
lecionar a matéria. O professor Laor’ vinha trabalhando em uma tese sobre
AlphasVirginitis que já tinha lhe consumido 28 órbitas de vida, a longevidade
dessa teoria se dava pela falta de experimentos em meruvianos, mas estava
confiante com o projeto que a sua filha estava desenvolvendo para mostrar a
equipe do VinciTus, assim concluindo de vez a sua teoria. Esperou as perguntas
iniciais que eram sempre bem vindas, se acomodou na cadeira como se fosse
contar uma história de terror para crianças medrosas. Respirou fundo antes de
começar:
—
Muitos aqui já ouviram falar sobre os famosos AlphaVirginits, mas de uma
maneira bem superficial, irei fazer um breve resumo de tudo que sabemos sobre
eles, e grande parte dessa descoberta teve a minha ajuda. — O professor não
conseguia esconder a satisfação de estar falando aquilo, segurando o sorriso
orgulhoso que estava quase escapando.
A
sala toda estava paralisada, prestando atenção no que aquele meruviano de meia
idade estava a falar, até os mais bagunceiros que se encontravam no final da
sala estavam interessados naquela história.
—
Olhe para seu braço, toque em você, sinta a sua pele — Laor’ apertava seu braço
deixando marcas azuladas. — Existem AlphaVirginitis em você, em cada átomo que
constitui seu corpo, os Av compõe 99,9% de tudo que nós conseguimos e não
conseguimos enxergar. Eles são partículas elementares que se encontram dentro
de todos os átomos que compõem todo o nosso universo, o processo de
descobrimento deles podemos dizer que foi algo bem rudimentar, bem bruto.
Precisamos chocar dois núcleos atômicos um contra o outro para literalmente se
despedaçarem em fragmentos menores; no momento do impacto podemos analisar
quais outras partículas existem dentro deste núcleo. Após órbitas com esse tipo
de experimento, descobrimos que dentro de um núcleo atômico existiam mais 64
partículas menores que não poderiam ser quebradas com o mesmo processo
violento, essas partículas são chamadas de partículas elementares. Depois de
vários meses gastos com analises desses experimentos, eu e minha equipe
teórica, deduzimos que de acordo com a matemática fundamentando nossa tese,
faltava descobrir mais uma partícula elementar, com isso, melhoramos nossos
equipamentos que poderiam chocar esses núcleos com forças jamais vistas. Então
naquele belo dia 25D-84º após um grande período sem novas descobertas, o
laboratório de choque de partículas revelou ao público a descoberta da última
partícula elementar prevista, onde foi nomeada AlphaVirginit. Ao longo das
órbitas desde a descoberta, foram especuladas várias outras subteorias no que
os Av poderiam ser uteis ao nosso dia-a-dia, então a VinciTus, órgão que lida
com experimentos utilizando essas partículas, começou a abrir espaços para
cientistas sem patrocínio; eles iriam analisar os projetos e arcar com os
custos, e por isso minha filha Kal’Gana que está sendo monitora hoje aqui,
acumulando horas de campo para o processo de seleção, que tem como requisito
essa monitoria em cursos que abordam algo mais aprofundado sobre os A.V.
Kal’
sem nenhuma mudança de expressão, olhou ao redor para todos aqueles alunos com
ar de superioridade.
—
Olhe para todos eles, jovens, velhos, aprendendo algo que eu já sei desde
criança — Pensou Kal’.
Aquele
anfiteatro tinha mudado de aspecto, olhos meruvianos atentos ao aquele ser que
falava a mais de 90 minutos, nenhum gracejo vinha do fundo da sala, nenhuma
reação em cadeia de bocejos, apenas a voz de Laor’ que reverberava por toda a
sala. Ele tinha conseguido algo que todos os professores sonham, a atenção de toda
turma.
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