Entre o Céu e o Inferno (Part2) — Simone Pesci

Vamos Continuar com a amostra do livro ..
Copyright ©2014 – Todos os direitos reservados
Produção Editorial: Simone Pesci
Capa: Adriana Brazil
Diagramação: Gisele G. Garcia
Revisão: Zidna Nunes
ISBN: 978-85-917319-0-9


Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida, transmitida e
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sem a prévia autorização, por escrito, da Autora.

2
DIA DE SORTE


“Quando você é um estranho, rostos saem da chuva;
Quando você é um estranho, ninguém lembra o seu nome.”
(The Doors – People Are Strange)



Alguns anos depois...


Eram sete horas da manhã e o dia estava nublado. O telefone tocou e eu não atendi. Quem poderia ser? Sem fazer ideia alguma de quem estaria me importunando, deixei que o aparelho tocasse sem nem me preocupar em me levantar da cama, pois a noite anterior havia sido regada a muito álcool e pequenas doses de alucinógenos. Ainda me sentia fora de área, mas precisava me recompor, pois o dia que surgia seria cheio de desafios.

O telefone soou, como se estivesse pedindo socorro. Deixei-o tocar sem me preocupar. Ainda deitada, olhei no relógio e notei que o tempo tinha passado mais rápido do que eu esperava. Na mesa de cabeceira, peguei o controle remoto e apontei-o para o aparelho de som que estava à minha frente, na mesma prateleira que abrigava equipamentos de última geração, o melhor em audiovisual. Ao som de People Are Strange, do grupo americano The Doors, iniciei mais um dia.

Apesar da minha indisposição e de uma dor de cabeça excruciante que insistia em me perturbar, aumentei o volume. Sentei- me na cama King Size, estiquei meus braços para cima e me espreguicei. Continuei viajando em meus pensamentos nada comuns as coisas que tinha aprontado na noite anterior junto aos meus comparsas de trambiques e baladas. A música terminou, mas eu determinei o replay, sabendo que era a canção perfeita para o momento. Sua letra me envolvia de maneira irreal, proporcionando-me um misto de sensações, e indiscutivelmente, percebi que tais palavras tinham tudo a ver com o que estava vivenciando naquele instante. Sentia-me como uma estranha, mesmo sabendo quem eu era. E ao terminar a reprodução pela segunda vez, desliguei o som, tornei a alongar meus músculos e me levantei a caminho da cozinha em busca de um copo d’água, porque era só o que meu corpo suportaria... Apenas um bom copo d’água gelada e um analgésico extremamente forte.

O telefone tornou a tocar por inúmeras vezes. Por fim, decidi atendê-lo:

Alô? Alô...? insisti, irritando-me com a falta de resposta Droga de desocupado que não tem o que fazer! resmunguei.

Voltei à cozinha e ao meu copo d’água, quando o maldito aparelho recomeçou com sua campainha irritante. Daquela vez, deixei-o tocar, até que parasse de gritar em desespero. Logo, segui rumo ao banheiro, onde me aconcheguei em minha ducha por pelo menos meia hora. E de lá, do banheiro, escutei o telefone tocando, e tal como bradava antes, foi ignorado.

Depois de uma boa ducha, vesti meu roupão, prendi meus cabelos, olhei para o espelho e me assustei com o que vi. Uma garota de vinte e oito anos, com um aspecto mórbido, chamada Alessandra, conhecida por todos como Alex, morando em um condomínio comercial e residencial em um dos pontos turísticos da cidade de São Paulo, na Avenida Paulista, chamado Conjunto Nacional.

Eu jamais acreditei que conseguiria chegar àquela idade, tampouco que pudesse ter um lar só meu, que fosse tão confortável e aconchegante e que me deixasse isolada do mundo. Ele era perfeito, do jeito que eu sonhava desde a juventude, no estilo Rock n’ Roll, com uma sala espaçosa, e que ao invés de sofás, era adornada por puffs espalhados pelo chão, uma enorme Tv ligada a um Home Teather, um aparelho de som no canto próximo a um suporte de CDs e nas paredes, alguns discos de vinil e capas dos mesmos, das bandas e cantores que eu venerava, como The Beatles, Nirvana, Pearl Jam, AC/DC, Janis Joplin, The Doors, entre tantas outras que haviam sido adquiridas em apostas ridiculamente medíocres. Ainda nas paredes, encontravam-se frases das quais eu mesma escrevia em momentos de alucinação, revolta, saudades, entre tantos outros sentimentos.

Aquele apartamento era meu. Poderia fazer o que quisesse nele, e de certa forma, me dava um ar de superioridade e me fazia feliz, mesmo sabendo que havia sido conquistado por meios desonestos e nada apropriados.

E o telefone tocou por mais seis vezes. Antes que caísse na caixa postal, atendi:

Alô? nenhuma resposta Alô...? insistiSeja quem for o imbecil, tenha ao menos coragem de se pronunciar!

Escutei ao fundo, barulho de carros e transeuntes e percebi que a pessoa do outro lado da linha estava em local público, uma rua movimentada. Ainda assim, resolvi continuar na linha em silêncio, por alguns segundos e consegui escutar uma respiração acelerada. Novamente, disse:

Alô? como não tive resposta, praguejei Vá para o inferno, seu imbecil, ou seja lá quem for!

Inferno era uma palavra que eu conhecia muito bem e estava mais do que habituada a andar em sua companhia. Desde que me conhecia por gente, já tinha viajado ao inferno por muitas vezes, de todas as formas possíveis. Em algumas delas, em estado catatônico.

Decidida a não atender mais aquele telefone que tanto estava me irritando, resolvi concentrar-me em mais um golpe de mestre contra um novo empresário, do qual eu percebera ter caído em meus encantos. Então, iniciei minha superprodução femmefatale, para que meu plano não desse errado.

Na noite anterior, junto com meus comparsas de índole duvidosa, assim como a minha Tito e Cacá fui apresentada a um novo empresário do ramo editorial recém-chegado a São Paulo e pelo visto, extremamente carente de emoções. Logo de cara, foi o que captei. Como uma ótima golpista, não deixei que isso passasse em branco. Estávamos na festa de lançamento da Editora Premiere, ao lado de pessoas importantes que estavam ali para prestigiar Juan Medeiros.

Juan era um homem muito bonito. Moreno, estatura média, de olhos castanhos escuros e pele bronzeada, cabelo liso também castanho, cortado bem rente ao couro cabeludo. Aparentava estar na casa dos quarenta. Não foi nada difícil flertar com ele, pois além de ser um homem de presença, era rico e muito simpático.

Tito meu comparsa mais antigo era um moreno de estatura média com o corpo malhado, lábios carnudos e convidativos, cabelos castanhos e crespos num corte jovial, e olhos castanhos Cacá, por sua vez, era uma linda mulher, também de lábios carnudos e convidativos, alta, com o corpo escultural, loira com os cabelos lisos abaixo do ombro e olhos verdes. Ambos tinham a mesma idade que eu.

Eu e meus amigos, conseguíamos com fontes duvidosas, algumas listas de eventos entre tantas outras coisas, de tudo o que se passava próximo a nós e que poderíamos tirar algum proveito. Cada um tinha o seu encanto, lábia e charme para tal serviço. E meu poder real naquelas situações era flertar, enganar, seduzir, mentir e dependendo da situação, usar minha arma fatal: meu corpo que eu já não fazia há alguns anos, porém, quando era preciso, não hesitava. Para uma garota de vinte e oito anos, de pele clara, um belo e bem definido corpo, cabelos compridos e lisos de um preto-azulado, grandes olhos azuis, lábios finos, delicados e provocantes, não era difícil. Aliás, por onde eu passava, chamava a atenção. Independente do que vestia, se, as roupas do dia-a-dia ou os trajes pronta para golpear, sempre chamaria a atenção.

Como uma ótima observadora, passei a festa toda visualizando os passos de Juan e percebi que ele ficava atento com as mulheres mais contidas e educadas, do que com as interesseiras e desclassificadas. Eu, obviamente, estava no segundo patamar. Entretanto, sabia muito bem como conduzir uma situação daquelas. Então, vestida com meus sapatos Scarpinpretos, uma calça social da mesma cor e minha blusa frente única com um decote sinuoso na cor azul, decidi representar a dama que nunca fui.

Juan me olhava de longe e eu fingia estar envergonhada com seu fitar faminto. Eu sabia que se continuasse agindo assim, conseguiria mais uma vítima para golpear, pois, meses atrás, havia conseguido um grande feito com um empresário do ramo musical. Porém, era outro tipo de carência. Uma carência familiar, como de pai para filho.

Passei a noite em meu canto, tomando algumas taças de vinho e ao lado de Tito e Cacá, como se fôssemos intelectuais do ramo. Juan não tirava os olhos de mim e sempre me rodeava. Após alguns instantes momentos em que me encontrei sozinha pude perceber Juan se aproximando. Logo, deu um sorriso de lado e um olhar para lá de ousado em meu decote, dizendo:

Uma mulher tão bela e interessante, sozinha assim em uma festa, fica difícil de acreditar. Posso saber seu nome?

Eu, exímia jogadora, abaixei a cabeça como uma virgem puritana, e com um sorriso também de lado, respondi:

A. Meu nome é A.

A.? rebateu confuso Apenas A.?

Levantei a cabeça olhando fixamente em seus olhos e deixando bem claro que, com tal gesto, desejava que ele fosse o mais discreto possível e não indagasse nada sobre mim. Percebendo que seria a atitude certa, caso tivesse algum tipo de aproximação com minha pessoa, nada mais perguntou. Apenas entregou-me um cartão com seus telefones e pediu que eu ligasse quando achasse conveniente. Seus olhos ainda me engoliam famintos e ao mesmo tempo curiosos. Então afastou-se, dando atenção aos outros convidados da festa e eu saí do local, sabendo que tinha feito a coisa certa. Aquele perfil dizia tudo, era isso que Juan precisava, alguém que lhe desse momentos de prazer e que não lhe perguntasse nada, assim como eu. Ele só não contava com o fato de estar lidando com uma golpista acostumada a usar de todos e quaisquer artifícios para conseguir o que almejava.

Eu precisava pensar em um plano antes de ligar para Juan. Seria algo novo ou apenas mais um do cotidiano para lucrar o da semana, o do mês ou o do ano? Então, peguei meu telefone celular descartável para mais uma armação e disquei o número indicado no cartão. Fiz questão de não deixar meu número restrito, para que assim Juan anotasse meu telefone. Depois de cinco toques, ele atendeu com a voz gélida, porém educadamente:
Juan falando...

Olá. balbuciei, fingindo timidez.

Quem fala?

Sou eu. A.

Prazer em falar novamente com você, A. enfatizou, parecia relaxado Pensei que não teria um retorno seu.

Por que não retornaria Juan?

Você não pareceu muito à vontade comigo. Essa foi a primeira impressão que tive.

Se foi assim, por que então me deu seu cartão?

Porque sou um homem persistente e só saio de campo quando vejo que realmente não sou capaz de continuar na jogada.

Ficamos em silêncio por alguns segundos e Juan resolveu quebrar o gelo perguntando:

Jantar hoje?

Respondi:

Por que não?

A que horas e em que local devo lhe buscar?

Façamos assim, Juan... Encontremo-nos no lugar que você determinar.

Sou um cavalheiro a moda antiga, A., diga-me onde posso lhe buscar...

Definitivamente, eu não poderia dizer onde morava. Então, tive que usar minha agilidade mental para bolar uma boa desculpa.

Estarei em frente ao Teatro Municipal de São Paulo. Preciso resolver algumas pendências próximas ao local no início da noite, mas serei breve.

Te encontrarei às 21h30min, ok? ele informou o horário.

Ok, Juan. Até mais...

Desliguei o telefone com um sorriso prazeroso no rosto, sabendo que aquele, até então, era meu dia de sorte.

Resolvi me trocar e sair rumo a algum restaurante ou lanchonete, pois a fome estava gritando em meu estômago e eu precisava me alimentar. Coloquei minha velha e surrada calça jeans desbotada azul clara, minha regata básica branca, meu tênis All Star preto e meu camisão grunge, rosa claro com listras pretas.

Eu não tinha muito o que comer em casa, e não estava com nenhuma vontade de enfrentar uma cozinha depois da noite anterior. Uma noite como tantas outras, ao lado de pessoas tão desencanadas com a vida quanto eu, apenas degustando um bom e velho Rock n’ Roll, muitas bebidas e alguns alucinógenos para suprir a necessidade de ser feliz.

Caminhando pelas ruas próximas de onde morava, ainda fora de área e pensando em qual seria o rumo do meu jantar logo mais à noite, sentia como se estivesse sendo observada por alguém. Era uma sensação tão real que, muitas vezes, olhei ao redor para ver se encontrava algo suspeito. Mas, infelizmente, nada encontrei.

Entrei em um restaurante japonês, era daquilo que eu precisava. Passei os quarenta e cinco minutos seguintes degustando muitos sushis, temakis e outros tantos itens do cardápio que eu amava e que só tinha conhecido depois de adulta, aos vinte anos.

Ainda sentada no restaurante, degustando aquelas iguarias, tornei a sentir como se estivesse sendo observada. Aquilo estava me incomodando. Paguei minha conta e segui para meu apartamento. E, caminhando, senti um arrepio sobre meus ombros, como se um anjo ou um demônio tivesse soprado sobre eles. Por um instante, já em frente ao prédio onde morava, parei e fechei os olhos, erguendo a cabeça e sempre carregando o peso daquela sensação. Seria um aviso?

Novamente, olhei para os lados. Senti o peso de um observar me acompanhando. Então, entrei no prédio sem olhar para trás e segui de volta ao mundinho solo mio. Já no aconchego do meu lar, decidi procurar por uma roupa que fosse apropriada para o evento, o jantar.

O telefone tocou. E novamente não o atendi. Sequer me esforcei para olhar na direção do aparelho, continuei com minha atual preocupação, que era me preparar para parecer uma linda, sensual e comportada dama. Abri meu pequeno closet e no canto direito, avistei minhas roupas especiais de combate. Porém, eu sabia que não poderia chamar muito a atenção. Pelo pouco que percebi, Juan era um homem discreto e faria desse jantar, aos olhos alheios, um evento de negócios ou algo do tipo. Separei outra calça social preta, meu scarpinrubro, uma blusa de apenas uma manga em um tom vermelho intenso e um sobretudo negro. Também fui esperta o bastante para separar uma lingerie sexy, escarlate como sangue. Já que teria que usar meus poderes sensuais naquela jogada, que fizesse a coisa direito.

Olhando para o meu uniforme de combate em cima da cama, escutei o telefone tocar mais uma vez. Bufando palavras nada delicadas, segui em direção da sala para atendê-lo.

Alô?... Alô? atendi aos berros enfurecida com o silêncio do outro lado da linha, rebati Seja quem for, estou exausta e sem paciência alguma para continuar esse joguinho sem sentido. Então, por favor, crie coragem ou me deixe em paz.

Desliguei o telefone. Como das vezes anteriores, não consegui identificar o número. Cheguei a pensar que a pessoa do outro lado da linha, ligava de um aparelho público, devido aos ruídos que escutara nas chamadas anteriores. Contudo, muito obviamente, quem estava fazendo aquilo usava um número restrito. Nem perdi meu tempo pensando no assunto, sabia que pela vida que levava há anos, tinha muitos inimigos e pessoas que me desejavam o mal. Sendo assim, era apenas mais um ou uma, no time contra Alex.

Eu ainda tinha tempo para descansar e colocar meus pensamentos em ordem. Então, deitei em meu sofá e olhando para o teto, pensei em qual seria a melhor estratégia de combate para aquela noite que se aproximava. Eu não conseguia ter nenhuma ideia nova, tudo o que me vinha em mente era usar os planos de combate de sempre. Porém, para isso, precisaria da ajuda dos meus dois comparsas de golpe.

Tito e Cacá eram as últimas pessoas com quem eu queria falar naquele momento. Na verdade, eu queria lucrar algum sozinha, sem ter de me preocupar em dividir o dinheiro com alguém. Pensando por minutos a fio, resolvi não planejar nada e apenas ir ao encontro, estudar a vítima e saber como me dar melhor. Ainda deitada, atendi ao telefone que voltou a tocar. Enfurecida, gritei:

Seja quem for o engraçadinho ou engraçadinha, deixe-me em paz!

Posso ser engraçado em alguns momentos, como também posso ser a pior pessoa do mundo. reconheci a voz gélida e educada do outro lado da linha. Era Juan! Não sei com quem você esperava falar ao telefone, mas garanto que não era comigo. escutei um riso Só liguei para confirmar nosso jantar, pois não gosto de esperar e muito menos, levar um cano. Então, caso tenha essa intenção, é melhor que me diga agora.

Um pouco desconcertada, mas atenta ao que ele acabara de falar, respondi:

Não sou mulher de meias palavras. Se eu não quisesse ir a esse encontro, não teria aceitado o convite. Portanto, não se preocupe, estarei lá, no local e no horário combinados.

Ok, bom saber... rebateu Então, até mais, A.

Alguma coisa me dizia, que Juan já desconfiava que eu não era a puritana pela qual estava tentando me passar. O tom de sua voz e a maneira como ele falou comigo, deixou isso bem claro. Novamente, senti um arrepio sobre meus ombros, que se espalhou por todo o meu corpo, me causando uma sensação de desconforto. Mais uma vez, caí em meus devaneios. Desde a adolescência, eu agia daquela maneira e de certa forma, achava natural. Porém, eu sabia, que em algum momento poderia me dar mal, tendo assim que tomar outro rumo em minha vida.

Meu lado menina má falou mais alto, como sempre. E deixei os devaneios de lado. Para que me preocupar com coisas sem sentido, se na verdade, eu tinha que me preocupar apenas com a batalha que estava por vir? Como era de costume, peguei minha caneta PILOT preta e segui em direção da parede da sala. Olhando para um dos pontos vazios, escrevi:

Anjo ou Demônio?

Eu sabia o que estava sentindo ao escrever aquela frase. Também sabia que aquelas palavras definiriam o rumo da minha noite. Seria aquela, a minha noite de sorte?

Por alguns minutos, fiquei observando a frase que acabara de escrever e entrei em transe ao visualizá-la. Era como se já soubesse a resposta. Depois de mais algum tempo, percebi que estava tarde e que deveria me aprontar para o meu encontro. Então, já curada da minha ressaca, preparei meio copo de uísque com três pedras de gelo e me despi.

Em minha pequena e confortável banheira, resolvi aproveitar e relaxar na hidromassagem. Naquele silêncio, por um ínfimo e especial instante, fui eu mesma. Uma garota de vinte e oito anos, relaxando e esperando que o dia terminasse bem.

As horas passaram e lá estava eu, em frente ao Teatro Municipal de São Paulo, às 21:15min, com o uniforme de guerra por cima da lingerie escarlate como sangue. Resolvi chegar minutos antes para que não houvesse nenhum contratempo e também, para que Juan me enxergasse como uma mulher pontual, decidida e que sabia o que queria. Na situação combinada, achei que seria melhor pegar um táxi até o lugar marcado, levando dinheiro extra para o caso de algo dar errado e ter que voltar da mesma forma para casa. No fundo, minha felicidade seria completa se estivesse com a minha moto Yamaha, que eu carinhosamente, chamava de Katrina, modelo Virago 250 clássica, à minha espera. Era um tanto quanto masculina, eu sabia. Porém, parecia que havia sido fabricada especialmente para mim. Aliás, eu tinha adquirido-a meses atrás em um golpe de mestre junto de meus comparsas de sempre. O maior golpe já aplicado por nós e o mais rentável. O golpe do EM, como costumávamos chamá-lo, ou seja, o golpe do empresário musical.

Em frente ao teatro municipal, enquanto aguardava por Juan, me senti observada. Eu não conseguia decifrar a sensação, e mesmo correndo os olhos por todos os lados, não encontrava nenhum indício de perseguição. De repente, o medo pairou sobre mim, pois com tantas coisas ruins que eu já havia feito em minha vida, pela primeira vez, me sentia vigiada e ameaçada por alguém ou algo que eu desconhecia. Fechei os olhos e respirei fundo o ar gélido da cidade de São Paulo. Foi quando senti uma mão com dedos grandes sobre meus ombros. No mesmo instante, aquele arrepio percorreu mais intensamente sobre meu corpo. Dei um passo para frente, com cara de espanto e olhei para trás. Lá estava ele Juan com a mão ainda em meu ombro, dizendo:

Assustada ou surpresa com a minha presença? Sendo quaisquer das alternativas, peço desculpas, pois atrasei dez minutos.

Ainda assustada, sequer dei conta do seu atraso, o que era irônico, afinal, ele me exigiu pontualidade. Para quebrar o clima estranho que pairou no ar, Juan disse:

Vamos. Precisamos de privacidade. Portanto, iremos a um dos meus apartamentos para que possamos desfrutar de uma boa conversa, jantarmos e algo mais, se é que você me entende... Também não sou um homem de meias palavras, então, caso não se sinta à vontade em sair comigo daqui, basta apenas me dizer.

Os arrepios intensificaram e alguma coisa dentro de mim dizia para não seguir rumo àquele combate. Contudo, a menina má falou mais alto outra vez. Assim, fui ao lado de Juan para o carro importado, estacionado do outro lado da rua.

No veículo, olhando pela janela, continuava a me sentir observada. Não sabia quem ou o quê estava me sondando, mas de certa forma, me senti protegida. Diferente da sensação que me assolava ao lado de Juan, um homem que eu acabara de conhecer e que parecia mais uma peça de museu, em seu silêncio, apenas me encarando às vezes.

Logo reconheci o bairro aonde chegamos Vila Madalena que pertencia a uma das partes nobres da cidade de São Paulo. Já havia frequentado muitos bares por lá. Encantada pelo ambiente boêmio que tanto me agradava, mal pude perceber quando Juan entrou na garagem de um belo edifício residencial e abriu a porta para que eu saísse do carro. De início, senti-me como uma dama com aquela atitude que eu não estava acostumada a presenciar. Sempre calados, seguimos para o seu apartamento.

Chegando lá, Juan falou:

Fique à vontade. Vou pegar duas taças de vinho. Já volto.

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