Entre o Céu e o Inferno (Prólogo e Part1) — Simone Pesci
Simone Pesci
Como terminamos de ler recentemente um livro seu .. vamos dar mas essa dica espetacular ..
ENTRE O CÉU E O INFERNO
Copyright
©2014 – Todos os direitos reservados
Produção
Editorial: Simone Pesci
Capa:
Adriana Brazil
Diagramação:
Gisele G. Garcia
Revisão:
Zidna Nunes
ISBN:
978-85-917319-0-9
Nenhuma
parte deste livro poderá ser reproduzida, transmitida e
gravada, por
qualquer meio eletrônico, mecânico, por fotocópia e outros,
sem a
prévia autorização, por escrito, da Autora.
PRÓLOGO
Eu tentava fugir, mas era em vão. Não havia
escolha senão percorrer os dois caminhos, Céu
e Inferno. Contudo, o inferno conseguia tomar posse da
minha mente e do meu corpo. E o céu, entrava em desespero ao me ver na
escuridão.
Eu tentava, de todas as maneiras possíveis,
acompanhar o céu. E por algum tempo, consegui fazer com que ele me
acompanhasse. E mesmo sabendo que o faria sofrer mostrando esse caminho
obscuro, eu ainda insistia para que ele me seguisse.
Depois de um tempo, meu céu preferiu rumar
seu árduo e notável caminho ao paraíso. Mas eu insistia em viver nas sombras do
inferno. E quando eu achava que tudo estava perdido, ele —o meu céu —voltou a mostrar-me o
caminho da luz. Desta vez, decidi segui-lo sem hesitar. Eu só não contava com
um detalhe, de que meu inferno, não me deixaria entrar no paraíso e faria de
tudo para que eu caminhasse em sua companhia para o purgatório. Foi quando
tomei uma decisão que mudaria todo o curso da minha vida e da vida de pessoas
que eu muito amava. Porém, céu e inferno não deixariam isso barato e se
enfrentariam por conta dessa decisão.
Céu e Inferno
Quem venceria essa batalha?
“Ainda que eu ande pelo vale da sombra
da morte, não
temerei mal nenhum, porque tu estás
comigo;
O teu bordão e o teu cajado me
consolam.”
(Salmos 23:4)
1
DOCES
AMARGAS LEMBRANÇAS
“O amor que você traz, me deixa
solitário;
A dor que você doa, me dá um lar.”
(SerjTankian— Gate 21)
De repente eu estava ali, parada e atordoada
com a cena de sempre. Uma nova discussão em família, que por sinal, parecia ser
muito mais agressiva do que as outras às quais sempre presenciei. Ele gritava,
esmurrava as paredes, jogava todo e qualquer tipo de objeto pelos ares e como
de costume, deixava a todos em estado de alerta, pois eram aquelas pequenas
discussões que acabavam fazendo com que eu fosse a maior vítima de todo aquele
espetáculo de horror. Quanto aos outros? Eles sequer se preocupavam com o que
poderia acontecer comigo. Na verdade, queriam apenas satisfazer o grande ego
daquele ser desprezível que fui obrigada a chamar de pai durante um bom tempo.
Tranquei-me naquele pequeno quarto, que nada
mais era do que um pedaço da garagem. Eu tinha apenas doze anos, mas sabia
perfeitamente qual seria o enredo daquela ensolarada manhã de domingo. Já havia
passado por aquilo muitas vezes, e como sempre, sentia faltar o ar em meus
pulmões, minha boca secar e meu coração acelerar de maneira surreal.
Concentrei-me naquele minúsculo cubículo que eu chamava de quarto, um lugar que
tentei de todas as formas, tornar tão infantil quanto a minha idade pedia,
adornando-o com tonalidades claras em tons de rosa bebê e alguns apetrechos
infantis, tais como, bonecas Barbies, ursinhos de pelúcia e algumas imagens de personagens em
quadrinhos que tanto admirava e sonhava ser um dia.
Eram naqueles desesperados momentos de
angústia, que ele sempre me vinha em mente... O único amigo que tinha e que
tentava me proteger de todas as maneiras. Porém, sua proteção era quase sempre
em vão, a não ser pelo conforto que me oferecia após os instantes de terror em
que eu costumeiramente passava. Aliás, havia sido por intermédio dele, que
consegui ter um cantinho mais apropriado para viver e uma infância e
adolescência menos dolorosas.
Escutei três murros na porta, que de tão
fraca, me fazia imaginar que mais dois daqueles golpes a colocariam abaixo. Ele
falava em tom ameaçador e de dar arrepios em qualquer simples mortal:
—Abra essa porta agora, minha doce menina... Papai precisa de
carinho neste instante. Se não abrir por bem, abrirei por mal.
Catatônica, continuei sentada no canto do
cubículo, abraçada à minha boneca preferida, que ganhara do meu amigo e que
batizara como She-ra, pois era uma das minhas personagens de desenho predileta. Porém,
a cada novo golpe desferido junto à porta, outra ameaça. Eu apertava She-ra, mais e mais, e
implorava para que ela me salvasse da situação que estava prestes a vivenciar.
Em minha infantil imaginação, minha amada boneca poderia ajudar-me, mas isso só
acontecia no interior de uma mente tão tola quanto a minha, porque a realidade
era outra.
Após alguns segundos, um silêncio momentâneo
deixou-me feliz. Entretanto, tal silêncio esvaiu-se com três novos murros na
porta branca e frágil. E novamente escutei a terrível, assustadora e ameaçadora
voz:
—Contarei até dez e, se minhadocinhonão abrir esta porta por bem, mostrarei o quão amargo posso ser. —escutei seu bufar de
irritação e sua voz se fez ouvir —Papai só quer um pouco de carinho com doçura. Começarei a contar e
espero que você, menina teimosa e ingrata, abra essa porta e fique bem
quietinha com o papai.
A cada número contado, meu coração disparava.
Ergui-me aos poucos e com as pernas bambas, rumo à porta. Eu sabia que se não o
fizesse, seria pior. Então, passo a passo, segui para mais um momento assombroso.
—Um... Dois... Três... Quatro... O tempo está se esgotando docinho... — resmungou em meio à contagem —Cinco... Seis... Sete... Oito... Nove... E assim que ele terminou
de pronunciar o número nove, destranquei a porta e investi com meus passos em
ré, para o canto do meu cubículo.
Um odor execrável invadiu minhas narinas. Um
cheiro que eu conhecia muito bem. Um misto de bebida alcoólica e cigarros
baratos que me deixavam desnorteada. E aqueles olhos enfurecidos e negros que
me fitavam com desejo... Tudo aquilo me causava uma repulsa infernal. Clamava
em pensamento para que minha She-rafizesse algo por mim. E ela, como sempre, não me salvou.
Ele parou e fitou-me por infinitos segundos,
degustando meu medo e sempre mantendo um sorriso torto, como quem estivesse
dizendo, vai ficar tudo bem, só me deixe fazer
o que tem que ser feito. Continuei encarando
aquele ser desprezível, com medo e tentando em vão, atravessar para o outro
lado da parede, ou mesmo, dos meus pensamentos. E a cada segundo, ele avançava
um minúsculo passo em minha direção. Eu conseguia escutar sua respiração
ofegante e descontrolada, como se ele fosse o caçador, e eu, sua presa
indefesa. Sua respiração estava cada vez mais forte. Seu coração batia em ritmo
desgovernado, assim como o meu. E ele esfregava as mãos seguindo em minha
direção. De repente, parou por um instante e disse:
—Docinho, papai só quer te
mostrar como são as coisas. Já estás acostumada com isso, no entanto, desta vez
o papai vai mostrar como realmente se faz, sendo que muito em breve a vida te
ensinará mais sobre, isso.
Então, levando em conta que mais cedo ou mais tarde você irá deparar-se com isso, por que não ser com
uma pessoa que te quer muito bem, assim como eu?
E naquele instante, aproximou-se mais e
abaixou-se, ficando frente a frente comigo. Olhei-o com ódio e nojo. Ele
percebeu, e ainda assim, tocou meu rosto com suas mãos encardidas e fétidas.
Seus dedos deslizaram pela minha face, por incontáveis vezes enquanto eu
prendia a respiração para não sentir o odor desagradável daquele homem. Cheguei
a fechar os olhos para não mais ter que encará-lo. Porém, ele fez questão de
abri-los, para que eu testemunhasse a tudo. Meu corpo tremeu de medo e
angústia. Minhas lágrimas começaram a rolar. Eu sabia que daquela vez seria
diferente, e que com certeza, seria uma das mais horrendas e marcantes de
todas.
Aquela criatura desprezível levantou-me pelos
braços com cuidado e demonstrando certo apego e carinho. Entretanto, eu sabia
qual seria o maldito carinho que receberia em poucos minutos. Em seguida,
sussurrou em meu ouvido:
—Isso! Papai quer apenas sentir o sabor mais doce que minha linda
gatinha pode proporcionar. E para isso, docinho
ficará quietinha enquanto papai tira a sua
roupa.
Engoli a seco minha paúra e senti um arrepio
percorrer meu corpo. Enquanto ele continuava:
—Se docinho abrir a boca, para falar um a que seja, não sairá desse quarto para apreciar um novo dia. —sua voz era até
tranquila, mas eu conhecia bem a ameaça que escondia —Papai sabe que, no fim
das contas, docinho vai gostar muito e ainda vai me agradecer. E quem sabe até pedirá
para que eu repita a dose.
Naquela ensolarada manhã de domingo, que por
sinal, foi a pior manhã de toda a minha existência, passei a enxergar as coisas
de outra maneira e me perdi do fio de esperança que me guiava na crença de uma
vida melhor. Durante todo o ato, sequer falei alguma palavra, me senti como se
estivesse morta. Na verdade, eu desejava mesmo morrer e cessar aquilo tudo. No
entanto, só conseguia sentir o peso de seu corpo e suas mãos imundas me tocando
com brutalidade. A dor era imensa, tanto em minha mente quanto em meu corpo.
Eu gritava, mas era um grito mudo,
interiorizado, que somente eu conseguia ouvir. Pedia socorro para minha She-ra, pedia socorro ao meu
amigo... Mas ninguém surgia para me ajudar. Com um último resquício de
esperança, pedi ajuda ao Cara lá de cima. Aquele a quem todos chamam em seus momentos de tristezas —o tal Deus. E Ele também não veio em meu socorro. Então, fechei meus olhos e
apenas pedi para que todo ato acabasse o mais depressa possível.
Depois de quase uma hora sendo abusada de
todas as formas possíveis e imagináveis, fui largada sobre minha cama, de
bruços e coberta de sangue, por ter perdido minha virgindade e virtude da pior
forma existente. Antes que ele saísse do quarto, investiu em minha direção, com
um cheiro ainda pior que o de antes, misturando álcool, cigarro e suor
pós-estupro, e assim, murmurou em meu ouvido:
—Boa menina, minha docinho. Mais doce que nunca. Em breve papai retornará para saborear a
minha delícia.
Dito isso, levantou-se, deu as costas como se
nada houvesse acontecido e seguiu rumo à sua vida cotidiana e bandida, como se
aquele dia fosse apenas mais um dia para ele, e como se eu tivesse ganhado um
prêmio por me comportar como uma boa menina.
Desde os meus oito anos de idade, era
molestada de todas as formas, inclusive de natureza sexual. Lembro-me de passar
fome e, por dias, não usar uma roupa limpa. Também me recordo, de ficar anos
sem ganhar novas vestes. Muitas vezes, quando me adoentava com uma gripe ou
algo parecido, recorria ao meu amigo, que sempre me salvava nesses momentos,
fornecendo-me remédios. E foi impossível não lembrar-me de quando —aquele ser
desprezível —obrigava-me a tocá-lo em suas partes íntimas. Eu também era
tocada, mas ele nunca chegou a consumar o ato propriamente dito. De certa
forma, acho que ele tinha medo. Medo que alguém o denunciasse. Medo de que eu
mesma pudesse denunciá-lo. Aliás, vontade não me faltava. O maior dos problemas
era que, todas as vezes em que eu pensava ter algum tipo de reação que fosse
contra seus atos perversos, era torturada de forma verbal, psicológica e
física, com palavrões, ameaças assustadoras e bofetões por todo o corpo. Alguns
deles me deixavam marcas tão expostas, que em certos dias eu mal podia sair de
casa.
Sempre me perguntava onde estaria a mulher
que se dizia minha mãe, mas que na verdade sempre deixou bem claro, desde os
meus sete anos de idade, que eu era filha adotiva e apenas mais um peso na vida
de todos daquela casa.
Certo dia, logo após uma das minhas surras
quase que quinzenais, procurei a tal criatura feminina e fantasmagórica, aquela
que se dizia minha mãe. Ao encontrá-la em seu perfeito estado, ou seja, sem o
efeito entorpecente de álcool ou drogas, fitei-a nos olhos e perguntei:
—Por quê?
Mesmo sem completar a pergunta, ela sabia a
que eu estava me referindo. E, também fixou seus olhos nos meus, deu um leve
sorriso e virou-se para continuar preparando seu lanche, como se ninguém
estivesse ao seu lado. Sua única preocupação era seu filho legítimo, que era
apenas um ano mais velho que eu e que sabia, melhor do que ninguém, como ser
uma pessoa de má índole.
Com o tempo, ainda criança, aprendi a usar
dos mesmos artifícios que eles. E de certa forma, ser uma má pessoa também. Não
me comunicava com ninguém, nem mesmo com eles, minha família postiça. Cometia
pequenos delitos em mercearias e lojas de conveniência, pois se não fosse
assim, nada teria ou até mesmo passaria fome. Eu julgava tudo aquilo normal,
devido às circunstâncias, e ainda assim era pouco, porque minha ira infantil
expandia a tal ponto, que acabei me interligando aos piores elementos da
escola. E com eles, conseguia me sentir um pouco mais respeitada aos olhos dos
outros alunos. Um desses piores elementos era o meu único amigo real, que na
verdade, nem mau elemento era e me salvara tantas vezes de meus assombros, que
ao tentar me erguer, também começou a cair, assim como eu. E dessa maneira, ele
passou a fazer parte do monstruoso mundo no qual eu habitava.
Seu nome era Maxwell Fonseca, mas era
conhecido como Max. Depois de algum tempo percebi que o significado de seu nome
fazia enorme sentido. Max: abreviatura de Máximo.
Procurei saber mais sobre o assunto e fui
pesquisar à minha maneira, todas as idiossincrasias das pessoas com esse nome,
algo um tanto esotérico, devo confessar.
Análise
da Primeira Letra do Nome: M
Muito ligado à família e emotivo.
Costuma exagerar em seus cuidados,correndo o risco de sufocar as pessoas que ama.
Possui muita energia,e por isso, deve sempre manter-se ocupado com algo.
Nosrelacionamentos amorosos ou mesmo de amizade, quando se magoa,procura
recolher-se para dentro de si e dali só sai quando recebe um
pedido de perdão. Um bom conselho
seria aprender a controlar seu
temperamento e deixar as pessoas que
ama mais na delas.
Max era exatamente assim. Emotivo. E cuidava de mim como ninguém.
Ele era apenas dois anos mais velho que eu,
mas nos conhecíamos desde crianças. Em verdade, ele aproximou-se enquanto eu me
lamentava por uma surra que havia levado aos seis anos de idade, por ter
deixado minha boneca Barbie no chão, fazendo com que meu terrível pai adotivo —Antônio César
Toledo —mais conhecido como Toni, levasse um tremendo tombo.
Naquele dia, depois da surra, consegui sair
escondida e seguir até uma praça a duas quadras abaixo de casa. Chegando lá,
sentei-me embaixo de uma das árvores, algo que eu gostava muito de fazer. E
como sempre, em meu estado de petrificação, não conseguia falar nada, nem
sequer chorar. Fiquei por lá, esperando as horas passarem e também esperando
minha coragem para retornar àquele lugar que infelizmente era meu lar. Alguns
minutos se passaram, e um garoto magro, de cabelos lisos e loiros no corte tigelinha e olhos
bem verdes, sentou-se ao meu lado. Encarei-o ainda com muitas dores pelos
braços e rosto, por conta dos hematomas. Ele sequer falou comigo. Apenas ficou
ao meu lado durante algum tempo e curtiu, junto a mim, aquele meu momento de
agonia.
Senti, com o peso do seu olhar, uma compaixão
e proteção que jamais havia experimentado. Não precisávamos falar nada, os
nossos olhares já diziam tudo. De um lado, o medo e a dor. Do outro, a
compaixão e a proteção. Notavelmente, passamos por situações parecidas inúmeras
vezes e sem pronunciarmos uma palavra sequer. Porém, depois de dois meses, o
garoto que me fez sentir protegida, perguntou:
—Que tal um sorvete?
Encarei-o sem responder de imediato. Fitando
seus olhos e um tanto desconfiada. Percebendo meu hesitar, insistiu:
—Quer conhecer minha casa na árvore? Ela é bem bonita e foi
construída pelo meu pai antes de ser morto. —o garoto sorriu, tentando encorajar-me —Tenho certeza de que
você vai gostar. —tornou a insistir —Além do mais, lá é meu refúgio e poderá ser o seu também.
Esbocei um sorriso. Ele notou a mudança em
meu ânimo, mas estragou tudo ao falar a pior e mais horrenda frase:
—Vamos docinho. Você vai gostar.
De imediato meu corpo estremeceu, minhas
pernas ficaram bambas e o ar fugiu dos meus pulmões ao escutar aquela palavra
que eu estava tão familiarizada a ouvir desde bebê, por uma das piores vozes
que habitaram minha memória. Afastei-me do garoto, levantei-me e fiz um sinal
com uma das mãos para que ele não se aproximasse. Depois segui para meu nada doce lar, sem
olhar para trás e apenas pensando nos motivos que aquele garoto tinha para
pronunciar tal palavra. Assim que alcancei a esquina, prestes a concluir a
jornada de volta, virei-me para espiá-lo por cima do ombro. Ele, por sua vez,
me voltou o olhar com tristeza, sem entender nada do que havia acontecido.
Apenas abaixou a cabeça, desolado por não ter conseguido me tirar, nem que
fosse somente por alguns minutos, daqueles momentos de horror que eu sempre
vivia.
Muitos dias se passaram e eu não mais apareci
na praça, pois me entristecia saber que a única pessoa que conseguira me
transmitir certa paz e proteção, poderia também com apenas uma palavra, me
proporcionar os piores sentimentos e sensações que já tive. E isto chegava a me
causar um tremendo desconforto. Então, tranquei-me em meu mundinho nada
colorido, esperando os dias passarem e quem sabe, encontrar algum vestígio de
luz em minha vida. Mas meus sonhos sempre naufragavam a cada vez que escutava
aquela horrenda voz em minha direção, sempre demonstrando um poder que,
acredito eu, era enviado diretamente do inferno. Afinal, seu único propósito
era fazer de mim uma pessoa tão ruim quanto ele mesmo.
Continuei pensando e me concentrando naquele
amigo, do qual no fundo, eu sabia que não falara aquilo por maldade. Ele sequer
sabia o quão torturante tal palavra significava para mim. E foi depois de
alguns dias em total reclusão, nem me lembro quantos ao total, que resolvi
voltar àquela praça e me sentar embaixo da árvore que tanto gostava.
Ao me aproximar da praça, percebi que ele
estava sentado naquele mesmo lugar em que eu me sentara tantas vezes em meus
momentos de tristeza, e pude sentir que estava tão triste quanto eu. Meu
coração apertou ao me deparar com aquela cena da qual era íntima, e mesmo na dúvida,
resolvi me aproximar. Assim que ele notou meus passos em sua direção, levantou
a cabeça e olhamo-nos fixamente sem dizermos nada por alguns segundos. Ele
apenas bateu a palma de uma de suas mãos naquele chão regado de natureza,
sugerindo que eu me sentasse ao seu lado. Sem hesitar, assim o fiz.
Ficamos por longos minutos em silêncio,
apenas nos comunicando pelo olhar e sentindo como se nos teletransportássemosem
pensamentos e dores, de um para o outro, tornando aquele momento mais doloroso
ainda. Então resolvi quebrar o gelo de nossas dores e perguntei:
—Posso conhecer sua casa da árvore?
Ele me fitou incrédulo, porém feliz e
respondeu:
—Vamos!
Seguimos ao nosso destino e à nossa infância,
que foi roubada por motivos diferentes, mas que nos uniu como dois
amigos-irmãos.
Chegando lá, pude perceber quão linda era sua
casa da árvore, como aquelas que eu era acostumada a ver em filmes, bem
colorida por dentro, e com apetrechos de meninos, tais como, bonecos de guerra,
carrinhos, bolas e principalmente um enorme pôster de seu personagem favorito He-man. Seria coincidência?
Continuei observando, encantada com aquele
canto mágico que Max tinha o privilégio de ter nos fundos de sua casa e que
havia sido construído pelo seu super-herói já falecido, seu pai. De certa
forma, aquilo me deixou feliz, pois eu sabia que mesmo por pouco tempo, o
garoto teve uma pessoa que lutou por ele e que o amava. Continuamos por lá,
curtindo aquele momento inimaginável. Depois do silêncio ao qual nos
encontrávamos, Max quebrou o gelo perguntando:
—Gostou docinho?
De imediato levantei o rosto em sua direção,
arregalando os olhos e encarando-o com um medo visível. No mesmo instante ele
percebeu que aquela era a palavra que não deveria nunca ser dita.
Por puro reflexo, dei dois passos para trás,
ainda com os olhos arregalados e um semblante de medo. Max olhou-me com notável
preocupação e certo pavor, talvez de que eu fosse embora daquela casa da árvore
e não voltasse nunca mais. Ficamos os dois parados, frente a frente, em
silêncio e podendo sentir o soar de nossa respiração e nosso batimento cardíaco
acelerado. Dei mais um passo para trás, e Max, em desespero, falou:
—Fique! Por favor, fique... —ele arfava de ansiedade —Não sei o que se passa contigo, mas já entendi o que não posso
dizer. Prometo nunca mais falar essa palavra e espero que um dia você possa me
contar o motivo pelo qual tem tanto medo dela. Diga-me o seu nome, por favor...
Pude sentir tamanha sinceridade nas palavras
daquele garoto, também magoado com a vida, mas que ainda não se deixava abater
por suas dores, e respondi:
—Alex! Eu me chamo Alessandra, mas as pessoas da minha casa me
chamam de Alex. Logo, ele rebateu:
—Bonito nome e também é bem legal!
Segundos depois, escutamos uma doce voz
chamando por Max. Era sua adorável mãe, que se chamava —Eliza Maria —e que, com todo o
cuidado e carinho do mundo o alertava para o almoço.
—Max, amor... O almoço está pronto! Venha logo, antes que esfrie.
Aquela doce e suave voz me fez esquecer por
alguns segundos, de todas minhas angústias, e também me deixou feliz por saber
que aquele garoto ainda tinha com quem contar. Se eu ao menos houvesse tido uma
sorte como aquela... Minha vida não teria sido tão desgraçada. Então, Max
respondeu:
—Já estou descendo, mãe!
Ele me encarou com um olhar confuso, como
quem não sabia como agir naquele exato momento. Eu, ainda quieta em meu canto
próximo à porta da casa da árvore, apenas fiz um sinal positivo com a cabeça
para que o mesmo seguisse para seu almoço ao lado de sua amada mãe. Por alguns
instantes senti uma tremenda inveja por não ser eu aquela criança sortuda, com
uma mãe tão carinhosa.
Max desceu pela escada de corda que pendia
sob a casa da árvore, primeiro que eu, sempre olhando para cima, mas sequer
conseguiu me visualizar, porque minutos depois, quando ele já estava em seu
almoço maternal, resolvi descer e seguir para meu nada doce lar.
Caminhando ainda em seu quintal, ouvi meu
nome:
—Alex! Venha, minha mãe gostaria de te conhecer e perguntou se você
quer almoçar conosco...
Incrédula, fitando-o com as sobrancelhas
erguidas, respondi:
—Claro!
Então segui ao seu lado, adentrando um lar
nada luxuoso, porém confortável, de aparência humilde e com um agradável
ambiente bem me quer, do qual eu nunca havia presenciado. Logo que entramos, sua mãe
me recebeu com um forte abraço e disse:
—Não sabia que Max tinha uma amiga. Isso é novidade para mim. —claro que a admirei
atônita, desacostumada a tanto afeto. Ela procurou ignorar meu estado de
surpresa e completou —Bem, de qualquer forma, seja muito bem vinda Alex, e coma o quanto
quiser.
Foi uma tarde de alegrias incontidas, tanto
para mim quanto para Max. Notei que Dona Eliza nos deixou à vontade para nos
aprofundarmos naquela amizade que surpreendera a nós três. Almoçamos,
assistimos aos nossos desenhos favoritos na Tv e jogamos vídeo game, algo que
por sinal, eu desconhecia. E nos entreolhamos diversas vezes com compaixão e
carinho por todo aquele tempo. No fim da tarde, deveria voltar para minha casa,
com minha família desprezível e detestável. Despedi-me de Max e de Dona Eliza
com dor no peito, mas com a certeza de que alguma coisa havia mudado. E eu já
podia ter um pequeno lampejo de esperança...
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